Veja se você já ouviu a seguinte expressão: "quando eu era solteira, eu fazia isso e gostava tanto... Agora não posso, pois sou casada". Quantas vezes percebeu alguém soltando essa pérola?
Problemas como esse são, muitas vezes, invisíveis aos olhares da sociedade já viciada na opressão contra mulher. Esse abuso pode ocorrer nas mais simples cenas, como sair para jantar apenas com uma amiga, sem o marido; sair para tomar um café; fazer uma caminhada sozinha, ouvindo uma música para relaxar, dentre outras atividades. Fazer algo sozinha, para muitas mulheres, parece algo distante e, muitas vezes, nunca sequer cogitado.
Parece que, depois do casamento, não se adquire uma certidão, mas sim um decreto de prisão, afirmando que ali a mulher só pode sair se levar o marido ou o filho junto. Agora me diz: quantas vezes você ouviu de algum marido que a esposa pode sair, porém precisará levar as crianças junto, ou parentes? Pode parecer um absurdo, mas esse tipo de frase é ainda recorrente em diversas famílias.
O casamento, em diversos casos, deixa de ser apenas um relacionamento e vira um cárcere para a mulher. Ela perde, muitas vezes, o direito de ir e vir sozinha. Ainda é raro, em várias cidades brasileiras, ver mulheres casadas viajando sozinhas, ou aproveitando um lazer apenas dela. Em capitais, fala-se que isso está ficando comum. Mas o Brasil não é feito apenas de metrópoles e grandes capitais. Enquanto muitos pensam assim, existem mulheres sofrendo essa situação.
Eu sou uma mulher casada, com convicção. E faz anos que eu viajo sozinha para diversos lugares. Apesar disso, ainda continuo sendo questionada sobre o porquê, o motivo de eu querer viajar sozinha. "Nossa! Meu marido nunca iria deixar", afirmam algumas mulheres que veem meu dia a dia. E confesso que esse verbo me deixa bastante incomodada, talvez por toda a vida. O verbo “deixar”.
Quando o marido "deixa" realizar alguma atividade, é porque alguém lhe pediu permissão para deixar. Quando o marido "deixa", é porque tem o poder de deixar ou não, a mulher teve que pedir permissão para tal. Dessa forma, é fácil ver não mais uma relação de companheirismo, mas sim de subordinação, limitação da liberdade. Isso porque a mulher fica presa aos mandos do marido.
Se você é mulher e vivencia essa situação, quero que faça agora uma reflexão. Você pensa assim? Já deixou de fazer alguma coisa por pensar dessa forma? Sente-se jocosa quando se percebe em tal contexto? Independente de tudo isso, de como se sente, o importante é que, pelo menos uma única vez, você já tenha pensando "não, eu não posso aceitar isso, não posso agir assim". Esse é o início do seu basta. Seja uma mulher de identidade e continue seu processo de liberdade. Se você percebe hoje essa prisão, precisa começar a expandir sua consciência e retomar sua liberdade. Se necessário, busque ajuda terapêntica. Você tem direito de fazer coisas que são só suas, com sua privacidade de ser humano livre, e não escravo.
Assuma que tem suas necessidades pessoais. Isso não é ruim, é humano. E, ao lado dos desejos que possui, tome as rédeas da sua liberdade. Antes livre, mesmo que sem saber ainda como agir, do que presa sem ter como decidir o que saber e como se sentir.
RACHEL POUBEL
Terapeuta para Mulheres, organizadora do Coletivo Mulheres de Identidade